O Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos "deplorou" a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) do Brasil, que inocentou um acusado de estuprar três crianças de 12 anos. A declaração foi feita em comunicado divulgado pelo escritório nessa quinta-feira, 5.
Na decisão, divulgada na semana passada, os ministros da Terceira Seção do tribunal entenderam que o homem não poderia ser condenado porque as crianças “já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data". A decisão foi tomada por cinco votos contra três.
De acordo com o comunicado, o escritório da ONU entende que "a decisão do STJ abre um precedente perigoso e discrimina as vítimas com base em sua idade e gênero”.
“É impensável que a vida sexual de uma criança possa ser usada para revogar seus direitos”, afirmou no texto o representante regional do alto comissariado para a América do Sul, Amerigo Incalcaterra.
Antes mesmo da manifestação do escritório da ONU, o STJ divulgou, na quarta-feira, 4, nota de esclarecimento na qual afirma que a decisão não institucionaliza a prostituição infantil.
"A decisão não diz respeito à criminalização da prática de prostituição infantil, como prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente ou no Código Penal após 2009. A decisão trata, de forma restrita e específica, da acusação de estupro ficto, em vista unicamente da ausência de violência real no ato”, informa a nota, divulgada no site do tribunal.
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Mudança na legislação
A decisão do STJ aparentemente é contrária à própria legislação brasileira. Mas o caso ocorreu antes de 2009 e a corte optou por fazer o julgamento de acordo com a lei anterior.
Até 2009, apenas relação sexual com menores de 14 anos como presunção de violência era considerada estupro. O artigo do Código Penal foi revogado e passou a ser considerado "estupro de vulnerável" qualquer relação com menor de 14 anos. A pena pode chegar a 15 anos de prisão.
O comunicado do escritório da ONU argumenta que, independente disso, a decisão do STJ contradiz tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil.
Segundo o texto, "os casos de abuso sexual não devem considerar a vida sexual da vítima para determinar a existência de um ataque, pois essa interpretação constitui uma discriminação baseada em gênero".
Defesa
O STJ se defende alegando que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) já havia inocentado o homem, com o argumento de que "a mãe de uma das crianças afirmou que a filha enforcava aulas e ficava na praça com as demais para fazer programas com homens em troca de dinheiro".
O STJ afirma ainda que "não promove a impunidade" e "apenas permitiu que o acusado pudesse produzir prova de que a conjunção ocorreu com consentimento da suposta vítima".